Fez
exatamente 50 anos, na semana passada, que o então presidente Jânio
Quadros renunciou jogando o Brasil em uma das mais profundas crises
institucionais de nossa história. O vice-presidente João Goulart estava
em viagem oficial na China, era época de viagens internacionais difíceis
e demoradas. Naquele tempo, o Presidente da República era eleito
separadamente do Vice-Presidente: João Goulart era de outro partido e
com propostas completamente diferentes do partido e do programa de
Jânio.
A
instabilidade levou os chefes militares a romperem com a Constituição.
João Goulart não aceitou o ultimato para exilar-se e decidiu regressar,
enfrentando todos os riscos.
Foi
então que ocorreu uma das mais belas páginas da mobilização cívica no
Brasil: a Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola; usando
uma precária rede de rádios, a Rede da Legalidade, mobilizou o país.
O
Grito da Legalidade venceu, João Goulart tomou posse, mesmo
submetendo-se a adoção do Parlamentarismo que reduziu substancialmente o
seu poder de Presidente.
Mas
a Campanha da Legalidade ficou interrompida, porque não visava apenas
dar posse ao eleito constitucionalmente, mas também fazer, dentro do
marco constitucional, as reformas que o país ansiava há séculos.
A
reforma ética e técnica da máquina de Governo, para eliminar a
corrupção e tornar o Estado eficiente. A reforma agrária era necessária:
economicamente, para permitir o uso da terra de forma produtiva; e,
socialmente, para superar a miséria em que vivia a maior parte da
população rural do país.
A
reforma bancária, que buscava colocar o sistema financeiro a serviço da
economia produtiva e da população, tirando-o da especulação a que se
dedicava.
A
reforma que levaria à erradicação do analfabetismo. A reforma da
educação de base que permitisse colocar todas as crianças brasileiras em
escolas com qualidade. E a reforma do ensino superior que era
prisioneiro do bacharelismo isolado do setor produtivo, sem qualquer
capacidade de inovar.
Uma
reforma que permitisse criar um eficiente sistema de saúde pública e
eliminasse as filas, levando atendimento a todos com a mesma qualidade.
A reforma que levaria o Brasil a se transformar em um país industrializado.
De
lá para cá, alguns desses temas perderam atualidade do ponto de vista
político e economico. Mas a Legalidade não foi completada. Ela não
aboliu a corrupção, nem fez a reforma política que precisamos. O número
de analfabetos é hoje maior do que há 50 anos. Pior do que a ilegalidade
é termos construído a imoralidade: uma pessoa morre ou vive de acordo
com o acesso que consegue aos serviços de saúde; desenvolve ou não seu
potencial intelectual de acordo com o acesso que consegue aos serviços
educacionais. A agricultura substituiu latifúndios improdutivos pela
eficiência do agronegócio, mas a economia continua baseada na exportação
de commodities.
A
nossa saúde e a nossa educação de qualidade continuam hoje, 50 anos
depois, com acesso limitado aos poucos que podem pagar. A educação está
restrita a apenas 40% que terminam o ensino médio e, destes, menos da
metade recebe uma formação satisfatória para as exigências do mundo
atual. O ensino superior, que aumentou substancialmente o número de
alunos, não foi capaz de elevar-se conforme as exigências do mundo
atual.
Em
parte como consequência desse atraso educacional, nossa indústria, que
avançou de maneira muito positiva nesses 50 anos, não consegue dar o
salto que o século XXI exige, nem sair dos produtos tradicionais para os de bens e serviços de alta inovação científica e tecnológica.
A
luta da Legalidade precisa continuar para construirmos o Brasil que
queremos. Um país sem corrupção, nem miséria; com um Estado eficiente e
uma política decente; com a mesma educação assegurada a qualquer criança
do Brasil, independente da renda de sua família; com a garantia de que
todos os brasileiros terão os serviços de saúde com a mesma qualidade;
com uma economia capaz de inovar e adaptar-se ao novo tempo em que o
capital é o conhecimento.
A
Campanha da Legalidade se faz hoje usando as redes sociais, com
manifestações contra a corrupção no comportamento dos políticos e contra
a corrupção nas prioridades das políticas que desviam recursos dos
projetos prioritários para o povo e para o país, em beneficio de
minorias já privilegiadas.
A
Legalidade não foi completada, por isso não ficou desnecessária, e esta
é a razão que leva jovens às ruas, 50 anos depois de ser sido iniciada
no Rio Grande do Sul.
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